O Que Fazer Nordeste de Amaralina

O que explica a violência potencializada no Nordeste de Amaralina?

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A violência no Nordeste de Amaralina não é apenas uma consequência de homicídios isolados ou tiroteios; ela emerge de um entrelaçamento histórico, racial e socioeconômico que torna a periferia mais vulnerável à letalidade urbana.

Um pouco de história para entender o presente

O Nordeste de Amaralina emergiu no século XIX, originado por pescadores do Rio Vermelho que enfrentaram a expansão da elite turística às margens da orla, sendo empurrados às encostas mais acessíveis as antigas fazendas da família Amaral.

O crescimento populacional veio se intensificar nas décadas de 1950 e 1970, com a urbanização por meio de parcelamentos irregulares e ocupações clandestinas, alcançando sua consolidação só em 1974 . Em 17 de junho de 1978, o governo municipal reconheceu oficialmente a área como “Zona Homogênea Nordeste de Amaralina”, em parte para conter a especulação e proteger a comunidade unida já então a segunda maior favela de Salvador. Contudo, esse reconhecimento institucional nunca foi acompanhado por investimentos estruturais robustos em saneamento, transporte, saúde, lazer ou educação .

Contexto socioespacial da violência

Estudos da SSP‑BA mostram que, entre 2012 e 2015, o Nordeste de Amaralina figurou entre os bairros com os mais altos registros de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) em Salvador, ao lado da Boca do Rio. Esses dados revelam que a violência não é ocasional, mas sim estrutural, especialmente em territórios racializados e destituídos de políticas públicas eficazes.

Um estudo do Instituto Fogo Cruzado e da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas registrou 16 tiroteios em um raio de 300 m de escolas do bairro, entre julho de 2022 e agosto de 2024, inclusive durante horários letivos. Isso evidencia que até os espaços de educação, que deveriam proporcionar segurança e possibilidades, são atravessados pela violência.

A favelização e o racismo estrutural

Em Salvador, onde a população negra representa cerca de 79,5%, os bairros de maioria negra enfrentam níveis muito mais elevados de violência, incluindo operações policiais agressivas e homicídios. O Nordeste de Amaralina é visto como um “território de risco” em contraste com bairros vizinhos de maior renda e população branca, que sofrem muito menos com tiroteios mesmo que expostos a desigualdades similares.

A atuação do estado e o genocídio periférico

A atuação militarizada, por sua natureza, promove um “genocídio do povo preto e periférico” na Bahia. Estudos apontam que, desde 2015, as mortes em ações policiais no estado aumentaram 300%. A presença de facções criminosas, como evidenciado pela prisão de lideranças no Nordeste de Amaralina, intensifica confrontos com a polícia estatal.

Por que tudo parece mais “potencializado” aqui?

Falta de infraestrutura: ausência crônica de saneamento, pavimentação, iluminação e transporte públicos, o que reforça abandono institucional .

Desigualdade racial e espacial: a marginalização da população negra amplia a vulnerabilidade e legitima violência sob pretexto de “ordem pública” .

Educação e infância em risco: escolas ameaçadas por episódios armados, prejudicando o desenvolvimento e perpetuando traumas .

Cultura de resistência: mesmo sem a latência midiática, o bairro tem uma rica tradição cultural e comunitária, religiosidade, arte, coletivos que desafia a lógica do esquecimento.

Quebrar esse ciclo exige:

Investimentos estruturais emergenciais em saneamento, mobilidade, áreas esportivas e culturais.

Mudança do modelo de segurança, substituindo operações militares por estratégias de segurança cidadã, com foco em mediação, participação comunitária e enfrentamento ao racismo institucional.

Proteção efetiva das escolas, livrando-as dos tiroteios, garantindo presença de políticas socioeducativas e promoção da cultura.

Apoio à cultura local, reconhecendo-a como força agente de transformação, não apenas como produto de exportação.

Participação comunitária real, envolvendo associações e coletivos na formulação e execução de políticas que de fato dialoguem com as necessidades do bairro.

Embora a violência seja urgente e brutal, o Nordeste de Amaralina segue sendo um território de vida carregado de história, intensamente negro, periférico, mas resistente. Sua força está nas trajetórias coletivas, nas lutas por direitos e nas potências simbólicas que florescem mesmo sob tensão. Reconhecê-lo apenas como “perigoso” é reproduzir a violência: é hora de enxergá-lo como vivo, pulsante, e tratar suas demandas como políticas, e não como incidentes de policiamento.